O elemento essencial da Filosofia da História (FH) – em seu diferenciar-se da historiografia – é a questão do telos, do sentido. A expressão FH é recente: é de 1765, de Voltaire. Porém, a FH vem desde os gregos. O significado do termo história é descrição, relato, narração de acontecimentos. Para os fundadores da historiografia ocidental, Heródoto e Tucídides, um acontecimento é histórico (e não arqueológico) apenas quando é narrado ou registrado por alguém que esteve presente. Isso significa que a história são histórias, relatos de fatos isolados. A FH, porém, busca o sentido a partir de um paradigma hermenêutico e não simplesmente conhecer a matéria bruta constituída pelas ações humanas. E essa transformação iniciou-se com Políbio (séc. II a.C.).
A primeira concepção filosófica sobre a história que surgiu, com os gregos e os romanos antigos, foi a CÍCLICA. O tempo histórico era circular, repetitivo, determinista, inexorável, fatalista, periódico, com fases de nascimento, desenvolvimento, declínio e desaparecimento que se alternam e se repetem ao infinito. Essa visão foi baseada na observação do cosmo, na revolução dos corpos celestes, na alternância infinda de fenômenos naturais. Sem começo nem fim, o tempo cíclico é um eterno retorno. Uma vez que nenhum evento é absoluto, o tempo cíclico repousa na permanente sequência de ciclos repetitivos.
O seu movimento circular contínuo é caracterizado pelo perpétuo retorno de momentos. Isso significa que a história não comporta nenhum fato singular. Pelo contrário, a história é marcada pela reedição de acontecimentos passados. Portanto, o tempo para os gregos antigos não passa de um círculo inexorável – sem saída e sem fim. Tudo está condenado a girar eternamente na roda da história. Destaque, nesta visão, para a mitologia grega, Platão, Aristóteles, Vico, Nietzsche e Spengler.
Na mitologia grega, o que rege o mundo é o fado: um destino cego, traçado nas estrelas. A própria palavra grega que indica “ano” – aniatus – serve para definir tudo aquilo que é circular, como um anel. A ideia de círculo (annus, anus, annulus) ligada a ano diz respeito à circularidade deste. Em vários mitos, a ideia de repetição incessante é tratada concretamente, onde um indivíduo, castigado por alguma falta, é condenado pelos deuses a sofrer um castigo eterno que nunca cessa, pois uma vez terminada a pena, ela recomeça (ex.: mito de Prometeu, de Sísifo).
Para Aristóteles, a história cíclica correspondia à perfeição do círculo e da esfera, dada a eternidade do mundo. Segundo Vico, as nações humanas passam inevitavelmente através de certas fases de desenvolvimento. Para ele, compreender a ação da Providência equivale a reconhecer as leis universais (das concepções imaginativas para as racionais, das concepções políticas baseadas na força para as fundadas na justiça, da aceitação do privilégio para o reconhecimento do direito).
A segunda concepção filosófica sobre a história foi a LINEAR, progressiva, orientada. Agostinho e Joaquim de Fiore são os principais teóricos dessa visão. O cristianismo aponta um tempo retilíneo, que tem início na criação (Gênesis) e término no juízo final (Apocalipse), desenvolvendo-se no âmbito da liberdade humana.
Porém, na Renascença, o modelo cíclico de história volta a ocupar um lugar fundamental. Mas, no final do séc. XVII, a visão linear retorna ao auge, com Bossuet, que retoma as ideias de Agostinho. E é com o Iluminismo que a FH cristã entra definitivamente em crise.
A perspectiva linear de tempo nasceu com a tradição judaico-cristã. O tempo linear é uma sucessão contínua de eventos irrepetíveis e irreversíveis. O seu movimento é retilíneo – reta ininterrupta de registros históricos singulares. A sua trajetória é circunscrita por uma linha histórica determinada – tem começo e fim. Como traço histórico perpétuo, o tempo linear é uma série evolutiva de fatos históricos inéditos. Trata-se do curso progressivo de acontecimentos únicos em direção ao futuro.
A SECULARIZAÇÃO (VISÃO LINEAR) das concepções religiosas e teológicas, na Modernidade, não fará outra coisa senão confirmar a visão linear. A Providência divina é substituída pela ideia de progresso. A salvação do homem e o juízo final são substituídos pela confiança na razão. Finalismo e necessidade, no entanto, não são questionados: eles continuam sendo os pilares da história secularizada. Dentre os Iluministas, Montesquieu é o único que pensa que a história é descontínua e irregular. Os demais acreditam que há sim um telos histórico: o progresso. Destaque para as teorias de Kant, Hegel, Marx e Comte.
A CRISE (ATELEOLOGIA) na FH, ou seja, a negação do sentido (telos) histórico ocorre no séc. XX, por meio de duras críticas às ideias de progresso, de verdade e de finalidade. Absurdo, irracionalidade, caos, acaso, ilogicidade são os termos-chave desse período.
Referência Bibliográfica
PECORARO, Rossano. Filosofia das História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.