A morte do pensamento e da filosofia

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Estou escrevendo este texto sentado na cama num sábado de manhã. Os sábados de manhã foram feitos para isso: tomar café, ler, escutar música, pensar… Na cama. Tudo sem compromisso, de forma leve. Momentos assim, sem ter que fazer as atividades cotidianas, gosto de me perder em meus pensamentos. Passo de Heráclito para o que comer no almoço num piscar de olhos. Levo minhas atividades tão a sério que momentos como esse, descompromissados, são fundamentais para minha saúde mental e intelectual.

“Não fazer nada” me remetia, no passado, a desperdício. Foi difícil aceitar que momentos de ócio não são perda de tempo; foi difícil entender que preciso, de vez em quando, me desligar das atividades diárias. Passei muito tempo da minha vida produzindo sem parar: estava sempre preparando alguma aula, revisando algum texto, fazendo algum roteiro de vídeo. Hoje sei que momentos de tédio são importantes, não só para me desligar da loucura que é o meu dia a dia, mas também para poder contemplar, para poder filosofar. Especulação é sinônimo de filosofia. Ficamos tão imersos nos nossos afazeres diários e esquecemos que precisamos parar, respirar, refletir e filosofar.

Epicuro, em Carta a Meneceu, diz que devemos começar a filosofar desde a mocidade, porém sem deixarmos de o fazer, cansados, na velhice. Ambos devem filosofar: o moço e o velho; este, para que permaneça jovem; aquele, para que possa encarar sem receios o futuro. Filosofar é preciso em qualquer momento, em qualquer idade.

Filosofar exige contemplação, exige que fiquemos com a cabeça vazia de tudo aquilo que nos incomoda. Entre acordar e dormir, preenchemos o dia com nossas atividades. Temos pavor do vazio, do nada. Há um preceito da física aristotélica, confirmado pela cartesiana e atacado por Pascal que diz: “a natureza tem horror ao vácuo”. Pensando que temos horror de momentos não produtivos, de momentos “de vácuo”, precisamos entender que é importante parar e nos deixar levar pelo tempo. O tempo passa com ou sem você. Preencher todo o nosso tempo com atividades e tarefas variadas não é saudável. “Dolce far niente” é uma expressão italiana que significa, literalmente, doce fazer nada. Necessitamos disso.

Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, diz que os desempenhos culturais da humanidade (aqui a filosofia está inclusa) devem-se a uma atenção profunda, contemplativa. O processo criativo precisa de “tédio profundo”. Está cada vez mais difícil termos tempo para filosofar, para contemplar. Lembro que quando eu era criança, ficava horas perdido em meus pensamentos. De certa forma, foi aí que decidi – sem saber – que seria filósofo, ou melhor, professor de filosofia. Lembro também que quanto mais velho fiquei, menos tempo eu fui tendo para as minhas reflexões.

Entendendo a filosofia como uma atitude radical de reflexão e não como um conjunto de técnicas intelectuais ou acúmulo de categorias interpretativas, é possível dizer que há um impulso original do filosofar em cada um de nós. Ricardo Timm de Souza, na obra Sobre a construção do sentido, fala em três possíveis mortes da filosofia: na infância, na adolescência e na vida adulta. Na infância, a criança possui uma chama de inquietação e curiosidade, tendo, em semente, uma curiosidade aguda. Porém, o convencionalismo social, o medo, a mediocridade anulam a curiosidade. Na adolescência, época de contrastes, de crise e de intensidade, o mundo é redescoberto. Porém, o adolescente logo é convidado a aceitar o fato de que vale mais a pena corresponder à massa de expectativas sociais do que seguir as perigosas e ousadas trilhas de sua criatividade, onde sua individualidade e ousadia são sempre postas à prova. Por fim, entramos na fase adulta. Nela, os mecanismos de adequação social estabelecem muitos padrões de comportamento visando uma margem de segurança. Mergulhados nas tarefas do dia a dia, não temos mais tempo para mobilizar nossas energias para filosofar. Essas são, segundo Timm, as três ameaças (e formas) de morte do filosofar.

Quanto mais velhos ficamos, menos tempo temos para filosofar. Refletimos menos porque temos que produzir o tempo todo; passamos menos tempo com os amigos, porque nunca conseguimos encaixar um bate-papo num café; fazer um passeio, ler um livro, escutar uma música é algo tão distante. Sempre falamos: “não tenho tempo”. Vivemos uma vida automática. Há certos fatos que podem refrear isso, como uma doença grave. Precisamos ter consciência de que não podemos viver o tempo todo como se fossemos robôs.

A nossa vida dura em torno de 80 anos, certo?! Isso não é muita coisa. Precisamos aprender, de uma vez por todas, que uma vida automática não é uma vida saudável. E para termos uma vida saudável precisamos valorizar momentos de ócio, de contemplação, de reflexão, de filosofar. Permita-se perder em seus pensamentos. Você se conhece tão pouco, não é? Reflita mais!

Você tem que saber que não adianta brigar com o tempo. Ele não para de morrer. A vida não para de passar. Passe pela vida de maneira refletida.

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Cícero