Dworkin deixa claro, na introdução de Levando os direitos a sério, que ele defende uma teoria liberal do direito e que ele visa superar a teoria atual dominante do direito (que, para ele, era um misto de utilitarismo e positivismo). Uma teoria do direito é ao mesmo tempo “o que o direito é” (como nós devemos conhecer e interpretar o modo como o direito é agora) e o que “o direito deve ser” (quais conteúdos o direito deveria ter, quais procedimentos ele deveria seguir e como ele deveria se posicionar a respeito das coisas). Ela é uma teoria descritivo-normativa do direito.
Uma teoria completa do direito possui três partes: uma teoria da legislação, uma teoria da decisão judicial (teoria da jurisdição) e uma teoria da observância da lei (obediência da lei). Dworkin quer fornecer uma teoria completa do direito que passe por esses três pontos e que seja ao mesmo tempo liberal. A perspectiva da primeira teoria é a de um legislador, da segunda a de um juiz e da terceira, a de um cidadão comum.
Ele nos apresenta a chamada teoria dominante do direito, que possui duas partes: a primeira, a do positivismo jurídico, trata acerca do que é o direito, ou seja, aborda uma teoria sobre as condições necessárias e suficientes para a verdade das proposições jurídicas. “A verdade das proposições jurídicas consiste em fatos a respeito das regras que foram adotadas por instituições sociais específicas e em nada mais do que isso.” (DWORKIN, 2010, p. VII-VIII). A segunda parte é a teoria do utilitarismo, que trata acerca do que o direito deve ser e sobre o modo como as instituições jurídicas deveriam comportar-se. Segundo o utilitarismo, o direito e suas instituições deveriam somente estar a serviço do bem-estar geral. Tanto o positivismo jurídico como o utilitarismo derivam do filósofo Jeremy Bentham.
Uma das crenças centrais do liberalismo diz que os indivíduos possuem direitos independente da legislação (similar aos direitos naturais – porém não por natureza e defendidos sim por convenções). E eles são um referencial que pode julgar se as leis que estão promulgadas são boas ou ruins.
Há, portanto, dois problemas: 1) para o positivismo, os direitos dos indivíduos são apenas o direito que as regras atribuem a eles. Assim, o positivismo é antiliberal, pois é uma espécie de restrição de quais direitos o sujeito tem. E uma teoria liberal do direito está preocupada com direitos pré-existentes. O positivismo restringe os direitos pré-existentes e, por isso, ela é uma má teoria liberal do direito; 2) para Dworkin, os direitos são determinadas proteções que os indivíduos têm contra o interesse geral, contra a maximização do bem para a coletividade como um todo. Logo, os direitos são anti-utilitaristas.
A teoria da legislação deve conter uma teoria da legitimidade de indivíduos ou um grupo particular com autorização para fazer leis. A teoria da jurisdição estabelece quando e por que os juízes tomam decisões exigidas pela teoria da decisão judicial e estabelece os padrões que os juízes devem utilizar para decidir os casos jurídicos difíceis. Já a teoria da observância da lei deve conter dois papéis: i) a teoria do respeito à lei: trata da natureza e dos limites do dever do cidadão; ii) a teoria da execução da lei: trata dos objetivos da aplicação e da punição e descreve como os representantes públicos devem reagir às diferentes categorias de crimes e infrações.
Uma teoria geral do direito preocupar-se-á também com a questão politicamente sensível do constitucionalismo, que diz respeito à legitimidade e terá muitas ligações com áreas da filosofia. A teoria normativa terá como base uma teoria moral e política mais geral, podendo depender assim de teorias filosóficas sobre a natureza humana ou a objetividade da moral. Já a parte conceitual usará a filosofia da linguagem e, portanto, também da lógica e da metafísica.
O filósofo Bentham, segundo Dworkin, foi o último filósofo da corrente anglo-americana a propor uma teoria do direito geral: conceitual e normativa. Da parte conceitual, Hart é quem possui a verão contemporânea do positivismo jurídico mais influente. Da parte normativa, o seu aprimoramento ocorreu a partir da utilização da análise econômica da teoria do direito. A análise econômica preocupa-se com o bem-estar dos indivíduos e sustenta que as questões normativas do direito devam preocupar-se com a promoção desse bem-estar. Sendo que o utilitarismo e o positivismo jurídico são doutrinas complexas e formam a teoria dominante do direito, elas possuem múltiplos oponentes, muitos que se opõem entre si. Diversas formas de coletivismo contestam a teoria dominante do direito.
“O positivismo jurídico pressupõe que o direito é criado por práticas sociais ou decisões institucionais explícitas; rejeita a ideia mais obscura e romântica de que a legislação pode ser o produto de uma vontade geral ou da vontade de uma pessoa jurídica. O utilitarismo econômico é igualmente individualista, ainda que apenas até certo ponto. Fixa o objetivo do bem-estar médio ou geral como o padrão de justiça para a legislação, mas define o bem-estar geral como uma função do bem-estar de indivíduos distintos e se opõe firmemente à ideia de que, enquanto entidade separada, uma comunidade tem algum interesse ou prerrogativa independente.” (DWORKIN, 2010, p. XII).
A teoria dominante é criticada também pelo seu racionalismo. No viés conceitual, a teoria diz que o direito é produto de decisões deliberadas e intencionais e sua finalidade é a modificação da comunidade com base na obediência geral às regras criadas por suas decisões. No viés normativo, a teoria recomenda decisões baseadas em tais planos e pressupõe que os indivíduos que ocupam os cargos públicos tenham habilitação, conhecimento e virtude para decidirem eficazmente em situações incertas.
Há também críticas tanto pela esquerda como pela direita. Pela esquerda, porque o formalismo do positivismo jurídico força os tribunais a substituir uma concepção substantiva para uma concepção fraca de justiça processual, promovendo políticas sociais conservadoras; e porque o utilitarismo econômico perpetua a pobreza e considera os indivíduos como átomos auto interessados da sociedade e não seres sociais.
E pela direita, porque o verdadeiro direito de uma comunidade não é constituído somente por decisões deliberadas, conforme defende o positivismo, mas também pela moral costumeira; e que o utilitarismo econômico é demasiadamente otimista. Para eles, seguindo a filosofia de Edmund Burke, “as regras mais apropriadas para promover o bem-estar de uma comunidade emergem apenas da experiência dessa mesma comunidade, razão pela qual é preciso confiar mais na cultura social estabelecida do que na engenharia social dos utilitaristas, que supõem saber mais do que a própria história”. (DWORKIN, 2010, p. XIII).
Todavia, segundo Dworkin, nem a crítica desenvolvida pela esquerda nem a desenvolvida pela direita argumentam que a falha da teoria dominante é devido a rejeição da ideia de que os indivíduos podem ter direitos contra o Estado. Ambas condenam a teoria dominante porque a consideram demasiadamente preocupada com o destino dos indivíduos enquanto indivíduos.
“O positivismo jurídico rejeita a ideia de que os direitos jurídicos possam preexistir a qualquer forma de legislação; em outras palavras, rejeita a ideia de que indivíduos ou grupos possam ter, em um processo judicial, outros direitos além daqueles expressamente determinados pela coleção de regras explícitas que formam a totalidade do direito de uma comunidade. O utilitarismo econômico rejeita a ideia de que os direitos políticos possam preexistir aos direitos jurídicos, isto é, que os cidadãos possuam outra justificativa para criticar uma decisão legislativa que não seja a alegação de que uma decisão não atende, de fato, ao bem-estar geral.” (DWORKIN, 2010, p. XIV).
Os juristas, quase sempre, lidam com problemas técnicos. Porém, há casos que não são técnicos e sobre esses não há consenso quanto ao modo de proceder. Por exemplo, quando o jurista se faz a seguinte pergunta: esta lei particular é equânime? Temos aqui um problema ético e não técnico. Nesse caso, não se está questionando sobre a eficácia da lei. Outro exemplo ocorre quando os juristas tentam descrever a lei por meio de conceitos que não são claros. Nesses dois exemplos, não há consenso do modo de proceder. Essas questões são relativas à “Teoria do Direito”.
Na disciplina “Teoria do Direito”, o que é debatido muda de época para época. Dworkin cita o seguinte exemplo: “os homens têm a obrigação moral de seguir a lei?” Essa pergunta, na década de 1950 não era feita, mas na década de 1970 era central. Até recentemente (1977), a abordagem na Inglaterra e nos EUA era uma “abordagem profissional”.
Os juristas são treinados para: i) analisar leis escritas e decisões judiciais de modo que extraem uma doutrina jurídica dessas fontes oficiais; ii) analisar situações factuais complexas com o objetivo de resumir os fatos essenciais; iii) e são treinados para pensar em termos táticos, conceber leis e instituições jurídicas que produzirão mudanças sociais específicas. A abordagem profissional da teoria do direito produziu apenas a ilusão de progresso e deixou intocadas as questões de princípios.
Na Inglaterra, em meados do séc. XX, a teoria do direito era dedicada a teoria analítica do direito (elaboração do significado de termos, como infração legal, posse, propriedade, negligência e lei), que era distinguida da teoria do direito ética (o estudo do que deve ser o direito). O problema é que esses conceitos são usados pelos juristas mesmo quando eles não entendem o seu significado. E como os manuais ingleses enfrentavam esse problema? Não por uma elucidação do seu significado, mas utilizando métodos doutrinários convencionais para demonstrar seu significado especificamente jurídico, tal como revelado na jurisprudência e nas leis escritas. Estudavam os votos e pareceres dos juízes e expertos legais e deles extraíam sumários de várias regras e doutrinas jurídicas.
Contudo, se perguntarmos por que os juristas debatem a respeito desses conceitos, percebe-se que a ênfase na doutrina é irrelevante. Por exemplo, a preocupação do jurista com o conceito de infração legal ocorre porque ele utiliza o conceito não-jurídico de infração para justificar ou criticar as leis e não porque ele tenha consciência de como os tribunais empregam o termo ou quais são as regras para determinar quais são as infrações legais. O jurista acredita que é moralmente errado punir alguém por infração que não cometeu.
A teoria do direito norte-americana é mais complexa que a inglesa. Ela se dedicou a um tema que a inglesa negligenciou: como os tribunais decidem as ações judiciais difíceis ou controversas? Por exemplo, na Inglaterra, o problema de se a legislação sobre o salário-mínimo é justo era um tema político e nos EUA, era constitucional e, portanto, jurídico. Dworkin cita que o realismo jurídico (Jerome Frank, Karl Llewelyn, Felix Cohen etc.) mostrou que a teoria ortodoxa fracassou pelo fato de ter adotado uma abordagem doutrinária na teoria do direito. A linha principal do direito norte-americana seguiu essa exigência do realismo e evitou a abordagem doutrinária dos textos ingleses.
Referências bibliográficas
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010.