Conceito de violência

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Conceito de violência

Violência, do latim, violentia, do verbo violare, significa tratar com violência, profanar, transgredir e faz referência ao termo vis, que significa força, vigor, potência, violência, emprego de força física em intensidade, qualidade, essência. Na tradição greco-romana, violência significava o desvio do curso natural das coisas pelo emprego de força externa. Enfim, violência expressa o ato de violar outrem ou de se violar. O termo indica algo fora do estado natural, ligado ao ímpeto, ao comportamento deliberado que produz danos físicos ou psíquicos.

No âmbito das ciências, a conceituação de violência também varia bastante, pois a sociologia, a antropologia, a biologia, a psicologia e o direito, por exemplo, definem a violência de maneiras diferentes. E no âmbito da ética, a prática da violência expressa atos contrários à liberdade e à vontade de outrem.

Em 2002, a Organização Mundial da Saúde divulgou o Relatório mundial sobre violência e saúde, no qual define o problema como:

“uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. (KRUG et al., 2002, p. 05).

Minayo (2003; 2005) destaca as seguintes características acerca da violência: i) a violência é um fato humano e social; ii) a violência é histórica, ou seja, cada sociedade, dentro de épocas específicas, apresenta formas particulares de violência; iii) há formas de violência que persistem no tempo e se estendem por quase todas as sociedades, como, por exemplo, a violência de gênero e da discriminação de “raças”; iv) a violência abrange todas as classes e os segmentos sociais. Portanto, pobreza não é sinônimo de violência; v) a violência também está dentro de cada um:

“estudos filosóficos e psicanalíticos mostram que a não-violência é uma construção social e pessoal. Do ponto de vista social, o antídoto da violência é a capacidade que a sociedade tem de incluir, ampliar e universalizar os direitos e os deveres de cidadania. No que tange ao âmbito pessoal, a não-violência pressupõe o reconhecimento da humanidade e da cidadania do outro, o desenvolvimento de valores de paz, de solidariedade, de convivência, de tolerância, de capacidade de negociação e de solução de conflitos pela discussão e pelo diálogo.” (MINAYO, s.d., p. 24).

Entre os tipos de manifestações que provocam sérias consequências para a vida pessoal e social estão as seguintes: i) violência criminal, praticada por agressão ou atentado à pessoa e aos seus bens e é objeto de prevenção das forças de segurança pública; ii) violência estrutural, que mantém a desigualdade social, cultual, de gênero, etária e étnica e produz miséria, submissão e exploração; iii) violência institucional, realizada dentro das instituições por meio de suas regras e relações burocráticas e políticas; iv) violência interpessoal, ocorrendo por meio da prepotência, intimidação, discriminação, raiva, vingança e inveja, produzindo danos morais, psicológicos e físicos; v) violência intrafamiliar, sendo que as mais comuns, entre as suas múltiplas manifestações, são as que submetem a mulher, as crianças e os idosos ao pai, ao marido e ao provedor; vi) violência auto infligida, tais como os suicídios, as tentativas, as ideações de se matar e as automutilações; vii) e, por fim, a violência cultural, que se expressa por meio de valores e crenças e acaba se naturalizando por meio de sua prática. Essa violência apresenta-se por meio de preconceitos e discriminações.

Há quatro modalidades de natureza dos atos violentos: física, psicológica, sexual e a que envolve negligência, abandono ou privação de cuidados. O termo abuso físico significa o uso da força para produzir lesões, traumas, feridas, dores ou incapacidades em outrem (BRASIL, 2001). Já a classificação denominada abuso psicológico refere-se a agressões gestuais ou verbais e acaba humilhando a vítima e isolando-a do convívio social. O abuso sexual refere-se ao ato que ocorre nas relações hétero ou homossexuais e utiliza a vítima para obter excitação sexual nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais impostas por aliciamento, violência física ou ameaças. E, por fim, a negligência, abandono ou privação de cuidados caracterizam-se pela ausência, recusa ou a deserção do atendimento a alguém que deveria receber cuidados.

Segundo Chauí, há dispositivos responsáveis para que a violência real fique oculta. Ei-los:

1) um dispositivo jurídico, que localiza a violência apenas no crime contra a propriedade e contra a vida;

2) um dispositivo sociológico, que considera a violência um momento de anomia social, isto é, como um momento no qual grupos sociais “atrasados” ou “arcaicos” entram em contato com grupos “modernos”, e “desadaptados”;

3) um dispositivo de exclusão, isto é, a distinção entre um “nós brasileiros não-violentos” e um “eles violentos”;

4) um dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: por essência, a sociedade brasileira não seria violenta, e, portanto, a violência é apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencial não-violento (…)”. (1999, p. 03).

Devido ao dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental, os meios de comunicação referem-se à violência com os seguintes termos: surto, onda, epidemia e crise. Esses termos indicam um fenômeno acidental e passageiro.

Por fim, destaca-se o pensamento de Arendt sobre a violência. Em seu texto Sobre a Violência (1994), a autora distingue cinco palavras que comumente são utilizadas como sinônimos: poder, vigor, força, autoridade e violência. Poder “corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo se conserva unido”. (1994, p. 36). O vigor é “a propriedade inerente a um objeto ou pessoa e pertence ao seu caráter, podendo provar-se a si mesmo na relação com outras coisas ou pessoas, mas sendo essencialmente diferente delas”. (1994, p. 37). Força “deveria ser reservado, na linguagem terminológica, às ‘forças da natureza’ ou ‘à força das circunstâncias’, isto é, deveria indicar a energia liberada por movimentos físicos ou sociais”. (1994, p. 37). Já sobre a autoridade, a “sua insígnia é o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam; nem a coerção nem a persuasão são necessárias”. (1994, p. 37). Por fim, o conceito violência distingue-se dos demais conceitos pelo seu caráter instrumental, estando “próxima do vigor, posto que os implementos da violência, como todas as outras ferramentas, são planejados e usados com o propósito de multiplicar o vigor natural até que, em seu último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo”. (1994, p. 37).

Para Arendt, não é a violência que gera o poder, mas é quando há ameaças ao poder que ela aparece. “Poder e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente.” (ARENDT, 1994, p. 44). E ela conclui dizendo que enquanto o poder sempre depende dos números, a violência pode operar sem eles. Até é possível justificar a violência, mas ela nunca será legítima.

Referências Bibliográficas

ARENDT, H. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 737, de 16 de maio de 2001: política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 96, 18 maio 2001. Seção 1e.

CHAUÍ, M. Uma Ideologia Perversa. Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Mais!, p. 3, 1999, 14 de março.

KRUG, E. G. et al. (Org.). Relatório mundial sobre violência e saúde. Geneva: Organização Mundial da Saúde, 2002.

MINAYO, M. C. S. A violência dramatiza causas. In: MINAYO, M. C. S.; SOUZA, E. R. (Orgs.). Violência sob o olhar da saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003. p. 13-22.

MINAYO, M. C. S. Violência: um problema para a saúde dos brasileiros. In: SOUZA, E. R.; MINAYO, M. C. S. (Org.). Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. p. 09-33.

MINAYO, M. C. S. Conceitos, teorias e tipologias de violência: a violência faz mal à saúde. Disponível em: http://www1.londrina.pr.gov.br/dados/images/stories/Storage/sec_mulher/capacitacao_rede%20/modulo_2/205631-conceitos_teorias_tipologias_violencia.pdf. Acesso em: 27/12/19, s.d.

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