Espírito, angústia, cultura e momentos

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Quem somos nós? Talvez essa seja uma das perguntas filosóficas mais importantes de todos os tempos. Muito já foi falado sobre isso e, provavelmente, muito se falará ainda. Por que estou neste corpo? Será que ele é um cárcere da alma, como disse Platão? Por que o meu “eu” que está pensando agora está neste corpo e nesta época? Será que os demais “eus” que não são o meu “eu” pensam isso também? Esses “eus” existem ou somente o meu “eu” existe?

Podemos ir longe em divagações.

Max Scheler, na obra A posição do homem no cosmo, de 1928, disse que o ser humano possui uma posição metafísica especial dentro do cosmo. Sendo uma pessoa, o ser humano possui espírito e, por isso, tem a capacidade de superar o determinismo dos instintos e do meio ambiente. Já os animais, não tendo espírito, estão presos neste determinismo. Segundo Scheler, a pessoa humana é o ser vivente que transita pelas esferas constitutivas da existência, com os pés firmes no mundo e na sua materialidade, agregando em seu ser várias dimensões, desde os níveis psíquicos da sensibilidade afetiva, do instintivo, da memória associativa, da inteligência prática até o patamar especificamente humano: a dimensão espiritual. A pessoa, assim, é espírito ligado à vida, é ser de transcendência, com possibilidade de aprendizado, de mudança de atitudes, de arrependimento e de conversão. Portanto, o que distingue o ser humano dos animais é o espírito presente apenas nos seres humanos e, consequentemente, a capacidade que ele possui de agir contra os seus próprios instintos.

Alcançamos o sentido da nossa vida quando agimos em liberdade, sem qualquer forma de determinismo. Sartre, na obra O existencialismo é um humanismo, de 1946, nos advertiu: “O ser humano é condenado a ser livre”. Assim, a única característica intransponível do ser humano é a liberdade. Nada é dado à existência humana de tal sorte que ela seja determinada; as circunstâncias naturais ou históricas não nos permitem jamais escapar à liberdade, na medida em que sempre temos de escolher o que fazemos delas e, por isso mesmo, escolher quem pretendemos ser, o que explica que somos “condenados” a ser livres. É da liberdade que surge a angústia, mas a angústia não deve ser concebida como um obstáculo, mas antes como o próprio vetor da ação. A angústia acompanha toda existência humana que é contingente e desprovida de toda justificação.

O ser humano é um ser deficiente por natureza. Essa visão é apresentada por Arnold Gehlen, na obra A homem, sua natureza e sua posição no mundo, de 1940. Os animais não possuem tal deficiência; nós, humanos, sim. Mas justamente por isso temos a possibilidade de nos abrirmos ao mundo; pelo agir, podemos subjugar o mundo; nós criamos a cultura. Mas é justamente esta liberdade que nos coloca em perigo, pois, por não sermos determinados pelos instintos, corremos constantemente o perigo de nos seduzir por estes instintos e pelo contexto socioambiental. Aqui é importante voltar a Scheler: “o ser humano é capaz de dizer não.” E é nesta liberdade que encontramos o sentido de nossas vidas.

Podemos dizer que vivemos entre dois mundos: o mundo dos instintos e o mundo da cultura. Não temos um couro peludo como o do urso para nos aquecer, não temos a capacidade de correr de uma lebre ou a armadura defensiva da tartaruga. Nos faltam asas, bico, garras etc. Todavia, como disse Childe V. Gordon, na obra A evolução cultural do homem, “o ser humano pode ajustar-se a um número maior de ambientes do que qualquer outra criatura, multiplicar-se infinitamente mais depressa do que qualquer mamífero superior, e derrotar o urso polar, a lebre, o gavião e o tigre, em seus recursos especiais. Mas fogo, roupas, casas, trens, automóveis, aviões, telescópios e armas de fogo não são parte do corpo do homem. Eles não são herdados no sentido biológico. O conhecimento necessário para sua produção e uso é parte do nosso legado social. Resulta de uma tradição acumulada por muitas gerações e transmitida, não pelo sangue, mas através da linguagem (fala e escrita). A compensação que o homem tem pelos seus dotes corporais relativamente pobres é o cérebro grande e complexo, centro de um extenso e delicado sistema nervoso, que lhe permite desenvolver sua própria cultura.” Estamos aqui, neste mundo, e é isso que importa. O que nos resta, assim, é viver, mas não viver de qualquer forma e sim viver bem. Precisamos viver bem, pois somente assim chegaremos ao final de nossas efêmeras vidas e olharemos para trás com gosto, com alegria, com satisfação. Precisamos falar: “valeu a pena”! Precisamos nos orgulhar de nossa vida, dos altos e baixos, das alegrias e tristezas. Certa vez Cesare Pavese disse: “não nos lembramos de dias, lembramo-nos de momentos”. Concordo com ele. Sempre que paro e penso sobre minha existência, lembro de momentos. No final da nossa jornada é isso que nos restará: momentos inesquecíveis!

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Dialética hegeliana

O pensamento kantiano é dualista, ou seja, ele distingue o fenômeno e o númeno, o finito e o infinito, o ser e o pensar. Portanto,

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Karl Jaspers