Na obra O Liberalismo Político, de 1993, Rawls revisa várias posições defendidas na obra Uma teoria da justiça. Na obra de 1993, Rawls trata da “concepção política de pessoa”. As pessoas são livres e aptas a fazerem escolhas na posição original. A liberdade tem três aspectos: i) “primeiro, os cidadãos são livres no sentido de conceberem a si mesmos e aos outros como indivíduos que têm a faculdade moral de ter uma concepção do bem” (2000, I, § 5); ii) “um segundo aspecto […] é que se consideram fontes auto-autenticadoras de reivindicações válidas. Isto é, consideram-se no direito de fazer reivindicações a suas instituições de modo a promover suas concepções do bem” (2000, I, § 5); iii) “um terceiro aspecto pelo qual os cidadãos são vistos como livres diz respeito a serem percebidos como capazes de assumir responsabilidade por seus objetivos, e isso afeta a maneira de avaliar suas várias reivindicações”. (2000, I, § 5).
Portanto, as pessoas têm duas capacidades morais: a de ter um senso de justiça (“capacidade de entender a concepção pública de justiça que caracteriza os termos equitativos da cooperação social, de aplicá-la e de agir de acordo com ela”) (FERES JÚNIOR, POGREBINSCHI, 2010, p. 18) e uma concepção de bem (“capacidade de formar, revisar e procurar concretizar racionalmente uma concepção de vantagem racional pessoal ou do bem”) (FERES JÚNIOR, POGREBINSCHI, 2010, p. 18). Além de racionais, as pessoas são também razoáveis. “As pessoas são razoáveis […] quando, entre iguais, por exemplo, estão dispostas a propor princípios e critérios como termos equitativos de cooperação e a submeter-se voluntariamente a eles, dada a garantia de que os outros farão o mesmo.” (2000, II, § 1).
Portanto, O Liberalismo Político visa apresentar a concepção de justiça como equidade não mais como uma teoria moral da justiça, mas como uma teoria política e pública de justiça. Com isso, Rawls pretende corrigir alguns problemas de sua teoria apontados pelos críticos, tais como “o suposto déficit de realidade da descrição das condições de estabilidade de uma sociedade bem ordenada e a não separação entre justiça como equidade e as demais doutrinas morais abrangentes”. (FRATESCHI, MELO, RAMOS, 2012, p. 275). Além disso, Rawls pretende defender a sua teoria da justiça como equidade diante das críticas comunitárias, que afirmam que a sua teoria é indiferente às particularidades das pessoas concretas inseridas em suas comunidades.
Todavia, Rawls continua, na obra de 1993, identificando a primazia do justo sobre o bem e a imparcialidade do Estado perante os traços comunitários particulares, pois diante de tantas crenças morais, religiosas e filosóficas díspares, essa é a única forma de manter uma convivência justa. O pluralismo razoável exige a neutralidade. Somente é possível encontrar uma teoria da justiça dentro das concepções de bem, pois é difícil os cidadãos renunciarem seus pensamentos e suas doutrinas.
“Uma teoria da justiça conseguirá apresentar princípios que possam ser compartilhados pelos cidadãos como um fundamento comum de acordo político à medida que conseguir alcançar um ponto de equilíbrio entre as exigência de universalidade – aquilo que todos estariam dispostos a aceitar – e as exigências particulares de cada concepção abrangente do bem. Essa é a ideia que está no cerne do conceito de overlapping consensus: um acordo razoável em torno de princípios de justiça e valores políticos com os quais os cidadãos podem se identificar, mas por razões diferentes e mantendo suas diferenças crenças e estilos de vida.” (FRATESCHI, MELO, RAMOS, 2012, p. 281).
A historicidade é a base das teorias ético-políticas de justiça. “A ordem ético-política, regida pela justiça, longe de ser uma concepção abstrata, é pelo contrário, o tecido de nossa vida presente e da cultura passada que nos projetam para o futuro.” (PEGORARO, 2006, p. 135). Verifica-se, assim, a importância da crítica hegeliana ao formalismo kantiano. A justiça deve ser vista e entendida de forma contextual e não de forma abstrata e formal.
“Assim, ver o nosso lugar na sociedade da perspectiva dessa posição é vê-lo sub specie aeternitatis: é encarar a situação humana não só de todas as perspectivas sociais, mas também de todas as perspectivas temporais. A perspectiva da eternidade não é uma perspectiva de um certo lugar que esteja além do mundo, nem o ponto de vista de um ser transcendente; mais precisamente, é uma certa forma de pensar e sentir que pessoas racionais podem adotar dentro do mundo. E, tendo feito isso, pode, seja qual for sua geração, reunir em um esquema único todas as perspectivas individuais e alcançar juntas os princípios reguladores que todos podem afirmar ao viver segundo eles, cada qual de seu próprio ponto de vista. A pureza do coração, caso seja possível alcançá-la, consistiria em ver as coisas com clareza e agir com graça e autocontrole da perspectiva de tal ponto de vista.” (RAWLS, 2000, p. 724-5).
Os conflitos deveriam ser resolvidos na própria prática comum na comunidade a partir da deliberação pública e não a partir de princípios abstratos. Rawls, após sofrer duras críticas sobre a prioridade da justiça e dos direitos fundamentais (neutralidade de justificação ética) sobre a concepção de bem e de vida boa e da falsa tese atomista, de que há um self isolado, busca reformular sua teoria principalmente a partir das obras O Liberalismo Político e Justiça como equidade: uma concepção política, não metafísica.
“Os princípios da justiça passam a ser preferencialmente justificados a partir de uma razão prática que reconstrói as instituições morais mais profundas e os ideais normativos da eticidade política presente na cultura política pública e nas instituições das democracias constitucionais modernas, e que aposta na capacidade de os cidadãos encontrarem, mediante a formação pública do juízo, um ponto de equilíbrio entre os princípios de justiça e esses ideais. Nessa perspectiva, há um enfraquecimento da estratégia de justificação do tipo transcendental ou kantiana, predominante na Teoria da Justiça, fundamentada na representação procedimental e no conceito intersubjetivo de autonomia pessoal, e no conceito de pessoa moral, presente na posição original, em favor do fortalecimento de uma estratégia que poderíamos qualificar de reconstrutivismo hegeliano, ou pragmático, fundamentada nos ajustes e reajustes do método de equilíbrio reflexivo entre juízos particulares, princípios de justiça e ideais implícitos na eticidade concreta das sociedades de democracia constitucional.” (FRATESCHI, MELO, RAMOS, 2012, p. 281-2).
A teoria de justiça de Rawls não surge a partir de um modus vivendi. A sua concepção pública e política não é metafísica, mas continua sendo uma teoria moral. Portanto, a intersubjetividade deve ser base para a escolha dos princípios. Quais seriam as respostas razoáveis para questões referentes à justiça em uma sociedade democrática pluralista e complexa em relação a estilos de vida, formas de vida cultural e desigualdade social? Essas são questões que continuam sendo respondidas e debatidas pela ética, pela filosofia política e jurídica contemporânea.
Referências Bibliográficas
FERES JÚNIOR, J.; POGREBINSCHI, T. Teoria Política Contemporânea: uma introdução. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
FRATESCHI, Y.; MELO, R.; RAMOS, F. C. Manual de Filosofia Política. São Paulo: Saraiva, 2012.
PEGORARO, Olinto. Ética dos maiores mestres através da história. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 2006.
RAWLS, John. O liberalismo político. Trad. de Dinah de Abreu Azevedo.São Paulo: Ática, 2000.