Quando li Santo Agostinho na capela do Seminário

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Fui seminarista! Sim, pra quem não sabe, eu quase fui padre. Lembro que quando eu era criança, decidi que queria ser padre, porque, certa vez, um frei franciscano, que era missionário, foi visitar a minha família e ele tinha, junto dele, uma cobra. Isso me assustou, mas ao mesmo tempo me fascinou. Talvez porque era algo totalmente inesperado e exótico.

“Como assim uma cobra? Eu também posso ter este tipo de animal de estimação? Bom, eu quero ser frei também”. Claro que o meu lado religioso, por influência da família, era forte. Resumindo a história, acabei entrando para o seminário Diocesano de Caxias do Sul, no Seminário Aparecida (e não para o convento dos freis, como inicialmente eu desejava). E fui muito feliz no seminário. Foi nele que eu me tornei um “estudante profissional”, como eu gosto de me ver, até porque a minha vida toda está organizada em torno dos estudos e se a minha vida se resume a isso, eu tenho que ser excelente no que eu faço.

Fiquei no seminário do início de 1999 até março de 2004. Tive altos e baixos. Mais altos do que baixos. Lembro do seminário com muito carinho. Fui feliz lá. E foi onde eu me apaixonei pelos livros. E não podia ser diferente. Nós, seminaristas, tínhamos muito tempo do dia para estudar. E a biblioteca do seminário me lembrava aquela biblioteca do filme “O nome da rosa”.

Além de momentos de estudo, tínhamos momentos de trabalho e oração. Curiosidade: meu trabalho era fazer pão (para quase 100 pessoas). Então, era padeiro, seminarista e estava me tornando um leitor.

E agora, finalmente, chego no ponto central deste texto: nos momentos de oração, ficávamos em silêncio rezando por bastante tempo e, justamente nestes momentos, no silêncio da capela, eu li Santo Agostinho. “Ah Santo Agostinho, você me salvou de muitos momentos em que meu pensamento ficava viajando da casa dos meus avós ao futebol das quartas-feiras de tarde.”

Aprendi, portanto, a gostar de filosofia cristã na capela do seminário, que era lindíssima, imerso em obras como “Confissões”, “A Cidade de Deus”, “Sobre a Trindade” e “Sobre o livre arbítrio”. Sim, hoje eu sei que isso não é tão comum para um adolescente de 15 anos. E o que sou hoje devo a esses momentos.

Com certeza, naquela época, a obra que mais me impactou foi “Confissões”, porque é fácil para um seminarista, como eu na época, me ver nela: alguém que busca algo, mas ainda está no caminho. “Confissões” é a primeira autobiografia da literatura ocidental e nela Agostinho fala de sua conversão ao cristianismo e de sua busca pela Verdade.

Diz ele que sua alma tem fome de verdade e beleza e nada do que ele encontrava, antes da conversão, o satisfazia. “Ainda não amava, e já gostava de amar. Eu buscava um objeto para o meu amor”.

Nós buscamos a posse daquilo que desejamos. Mas será que já não está em nós o que buscamos, no mais profundo de nossa memória? A memória é mais vasta do que aquilo que temos consciência. O ser humano tem a memória do que ele busca sem jamais tê-lo realmente conhecido, ou seja, temos memória de Deus, mas não o conhecemos. É dentro de nós que reside a verdade desejada.

Amamos nos corpos físicos a beleza que suscita desejo e prazer para a sensibilidade. Porém, a beleza é apenas um sinal que nos remete à perfeição de seu criador transcendente, de Deus. Mas, diz Agostinho, que não é pela sensibilidade e sim pela introspecção que nós alcançamos o objeto transcendental de nosso desejo.

Todo o nosso conhecimento está na nossa memória (nas suas palavras, no “imenso palácio da memória”). Nesse palácio, estão os tesouros das inúmeras imagens trazidas pela percepção de todos os tipos. “É um santuário de uma amplitude infinita”. Nosso espírito não consegue tocar seu fundo, não pode abraçar sua amplitude que é infinita e nós não podemos compreender inteiramente quem somos.

Hoje, sou grato pelas experiências e vivências que eu tive no seminário e por ler as obras deste gigante da filosofia, Santo Agostinho. Ah e sobre a minha “profissão” de padeiro, acabei abandonando. Não que o pão que eu fazia era ruim, mas porque decidi me dedicar integralmente ao “imenso palácio da memória”. 

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