Nuccio Ordine, na obra A utilidade do inútil, ressalta que os estudantes passam longos anos nas aulas de uma escola ou de uma universidade sem jamais ler os clássicos. Nutrem-se de resumos, de manuais e de sinopses. Se lermos apenas resumos, jamais nos aproximaremos do poder que um clássico possui. Não é possível conceber qualquer forma de educação sem os clássicos.
Ninguém nasce leitor; nos tornamos leitores. Ninguém nasce com sede dos clássicos; a sede é construída. Assim como podemos ter sede de banalidades, podemos sim, pelo hábito e pela prática, ter sede de singularidades. E aqui entra a crítica às banalidades, às superficialidades, ao entretenimento vazio, à indústria cultural.
Quase 2000 anos antes de Domenico De Masi, o Ócio Criativo já era defendido por Sêneca, que interpreta o ócio mais do que tempo livre ou lazer. Entendia-o como sendo o lazer utilizado a serviço da comunidade pela atividade intelectual. Não fazer nada nem sempre é viver o ócio, é deixar a vida passar sem viver essa dádiva.
O ensaio “A indústria cultural”, do livro Dialética do Esclarecimento (1944), de Adorno e Horkheimer, diz:
1) o termo indústria refere-se à racionalização dos procedimentos de planejamento, à consequente padronização dos produtos e à racionalização das técnicas de divulgação;
2) o termo cultura pode ser esclarecido por meio da diferença entre obra de arte (finalidade interna e ela é o âmbito da expressão do singular) e produto da IC (a finalidade é externa, localizando-se no mercado, na imposição do lucro, na mercantilização da cultura) – ambas são mercadorias – e pela falta de caráter contraditório.
Rodrigo Duarte (Indústria Cultural: uma introdução) identifica esquematicamente “cinco operadores” da indústria cultural na obra Dialética do Esclarecimento:
1) manipulação retroativa: os produtos culturais são criados para atender às demandas de lazer das massas; HOJE: na internet, ainda se atende à demanda de lazer das massas e se impõem determinados padrões de consumo e de comportamento moral e político;
2) usurpação do esquematismo: a IC oferece produtos que já vem com sua própria interpretação; a televisão e o rádio usurpavam a capacidade do sujeito de interpretar os dados identificados pelos sentidos; HOJE: sem precisar refletir e interpretar conteúdos, o sujeito percebe a realidade no âmbito virtual e acreditar que a realidade é o que está na rede;
3) domesticação de estilo: a IC tira a autonomia dos artistas; HOJE: “a precariedade dos conteúdos emitidos pela maioria das pessoas deveria ser vista como uma consequência da colonização dos intelectos das massas pela indústria cultural”;
4) despotencialização do trágico: transformação de uma catarse genuína em simples entretenimento e numa ressignificação simplificada, sem atividade subjetiva; HOJE: culto à espetacularização do eu;
5) fetichismo da mercadoria cultural: substituição de um valor de uso pelo valor de troca; HOJE: objetificam simbolicamente todas as relações.
Sêneca, em Sobre a brevidade da vida, propõe uma vida gratificante, que é a prática do ócio. Diz ele que nossa ocupação é viver aquilo que não é nosso: “se queres viver bem, vive o que é bom para ti, vive o ócio criativo.” Tanto a ação e a contemplação são importantes para termos uma boa vida, para fazer valer os anos de vida que cada um possui.
Referências Bibliográficas
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. São Paulo: Zahar, 1985.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2001.
DUARTE, Rodrigo. Indústria Cultural: uma introdução. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
ORDINI, Nuccio. A utilidade do inútil: um manifesto. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
SÊNECA. Sobre a brevidade da vida. São Paulo: Edipro, 2020.